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quarta-feira, 30 de junho de 2010

ENTRE OS HÁBITOS, A MORTE

Por..:: Celso Ferrarezi*

“Não há nada de tão absurdo que o hábito não torne aceitável.” (Erasmo)

Aristóteles disse que "Somos o que fazemos repetidamente. Por isso o mérito não está na ação e sim no hábito." E, por isso mesmo, Confúcio afirmou que "é mais fácil vencer um mau hábito hoje do que amanhã." Parece lógico: quanto mais fizermos, mais seremos aquilo ali que fazemos! Mais difícil, portanto, livrar-se de algo que é cada vez mais “nós mesmos”. Exatamente como Crane afirmou: "Hábitos são mais seguros que regras; você não precisa segui-los. E você não precisa mantê-los tampouco. Eles mantêm você." De maneira metafórica, Veron disse isso assim: "O hábito é uma criada que acaba por casar-se com o amo." E “casar”, vale lembrar, é tornar-se uma só carne, um só corpo. O hábito e nós: um só ser. Não foi à-toa que Dryden afirmou que "primeiro fazemos nossos hábitos, e então nossos hábitos nos fazem."

O hábito não chega fazendo alarde, escancarado e barulhento. Como o vício, ele não começa jogando seu dono na sarjeta. Ele vem de mansinho, quietinho, fazendo de conta que nem um hábito ele é... só uma ação que fortuitamente se repetiu... Samuel Johnson explica que "as cadeias do hábito são, em geral, pouco sólidas para serem sentidas, até que se tornem fortes demais para serem partidas." E, por isso mesmo, talvez Rousseau tivesse tanto medo dos hábitos, a ponto de afirmar que "o único hábito que se deve permitir a uma criança é o de não adquirir nenhum." Ovídio atestava: "Nada é mais forte que o hábito."

Livrar-se de um hábito, seja ele bom ou mau, certamente não é coisa simples. Como disse, livrar-se de um hábito é como livrar-se de um pedaço de nós mesmos. Certa vez, perguntei a uma moça bonita por que ela não retirava uma verruga que tinha na mão, uma verruga que em nada combinava com o resto do pacote. A resposta foi incrivelmente esclarecedora: “Tenho medo de sentir falta dela. Já me acostumei com ela aqui. Passar o dedo sobre ela faz uma coceguinha boa...”. Em outras palavras, sentimos falta até de pedaços deformantes que nos sobram. O que se dirá dos hábitos? Foi justamente por isso que Mark Twain disse que "a gente não se liberta de um hábito atirando-o pela janela: é preciso fazê-lo descer a escada, degrau por degrau", e que Thompson afirmou que "Maus hábitos são como uma cama confortável: fácil de se deitar nela, mas difícil de sair". E esse vínculo com o mau hábito, ou mesmo com o habituar-se a tudo era, para Neruda, o princípio da morte. Ele escreveu: "Morre lentamente quem se transforma em escravo do hábito; repetindo todos os dias os mesmos trajetos."

O que mais me preocupa com em relação aos hábitos, porém, é que "o hábito e rotina têm um inacreditável poder para desperdiçar e destruir", (Henri de Lubac). Isso porque, como coloquei lá no início do artigo, "não há nada de tão absurdo que o hábito não torne aceitável." (Erasmo de Rotterdam) ou, como diria o célebre fabulista Esopo, "o hábito torna suportáveis até as coisas assustadoras". Martí diria que "o hábito cria a impressão de justiça; o progresso não tem inimigo maior que o hábito." E, como escreveu Hume, uma vez que "o hábito é o grande guia da vida humana", acabamos nos deixando guiar por coisas assustadoras, insuportáveis, absurdas e destruidoras.

É por isso que nos acostumamos com coisas como a mentira e, em certo momento, passamos a acreditar na s mentiras que contamos. Nos acostumamos com os vícios e começamos a achar, por exemplo, que a ressaca e o cheiro da fumaça do cigarro são suportáveis. É assim que, também, nos acostumamos com a corrupção no Brasil, e compartilhamos disfarçadamente com a idéia de que uma bolsa família pra um pobre em troca de um voto não é assim tão ruim... E foi assim que nos acostumamos com nosso sistema carcerário, nosso sistema de saúde, nosso trânsito e já estamos nos acostumando com a violência urbana, que está virando violência rural pra inaugurar o estágio quase irreversível da “violência nacional” em nome da já aceitável lei da sobrevivência.

Mas, de todos nossos costumes horrendos como brasileiros, de toda nossa capacidade de nos habituar à podridão e ao lixo, mesmo depois de ver e ouvir nossos mandatários com aquela cara de lavagem dizendo que o Brasil está maravilhoso porque nossa economia está crescendo “a ritmo chinês” (??!!!!) e temos que dar continuidade a tudo que está aí posto, de tudo o que me incomoda e me enoja, nada me faz mais mal do que ver que nos habituamos a chamar esse processo cotidiano de adestramento de terceira categoria a que nossos filhos são submetidos de “educação”! Esse é o pior de todos nossos piores hábitos brasileiros e foi a pior das mazelas às quais nos acostumamos neste país. Ao achar que isso que se faz nas escolas brasileiras em geral é “educação” fechamos as portas do entendimento nacional para a compreensão de que, na verdade, apenas nos habituamos ao que não presta. E, mais do que isso, esse hábito de chamar de “educação” o silenciamento das potencialidades e o acorrentamento das esperanças, o adestramento de homens para servir e o acostumar mentes a não criar, custará, como um vício mortal, como o crack em doses letais, a vida e a felicidade desta nação.

Ou o Brasil acaba de vez com essa hipocrisia que envolve nosso sistema educacional e investe nos educadores e na educação, ou seremos destruídos pelo péssimo hábito de aceitar que é normal o que está aí. Que o teto de uma escola caia sobre a cabeça dos alunos, que um professor (ou algo semelhante) entre bêbado na sala pra dar aula, que um professor (ou algo semelhante) tenha que ficar vendendo lingerie nos intervalos de aula pra dar conta de pagar suas contas básicas, que um professor (ou algo semelhante) seja tão mal formado que não tenha as menores condições intelectuais e emocionais pra lidar com os mais básicos problemas de sala de aula, que uma escola não tenha banheiros decentes, nada que se possa chamar de uma biblioteca, acesso à informática de forma efetiva e suficiente, que a merenda escolar seja proteinada pelos carunchos do feijão e do arroz servidos dias a fio como a única coisa existente na escola pare se comer, que não haja material escolar em quantidade e qualidade suficientes, que alunos se sintam à vontade e seguros pra ameaçar, ferir, estuprar ou matar professores, que sequer haja professores, que quando há professores estes (e estas) se achem à vontade e seguros pra trocar notas com por favores sexuais de estudantes adolescentes... a lista nunca acabará!, que tudo isso aconteça costumeiramente – e acontece costumeiramente no Brasil! - e seja considerado normal, NÃO É NORMAL! NADA DISSO É NORMAL! NADA DISSO PODE SER HABITUALMENTE CHAMADO DE NORMAL! A menos que o seja por um governante ANORMAL!

Habituar-se com isso tudo é habituar-se com a morte! Não a morte do corpo apenas, mas uma de pior espécie, a morte da Inteligência e, consequentemente, a morte da esperança. Pois eu nego e renego esse hábito! Fujo dele como de uma peste destruidora e não me calo diante da pasmaceira nacional de acreditar nas habituais baboseiras e autoproclamadas e fictícias façanhas próprias das épocas eleitorais.

Nesta próxima eleição, não sei como se definirão os candidatos, as chapas, as coligações. Mas, aquele que falar em “continuidade” será por mim encomendado ao inferno. E, se não houver quem apresente algo realmente revolucionário em relação à educação, vou me dar o direito democrático de jogar meu voto no lixo. Pra mim, chega de conivência com o estado de coisas que nos cerca. Não quero mais ser co-participante dessa farsa chamada até aqui de “educação brasileira”.

*Celso Ferrarezi - Semanticista, escritor e artista plástico paulistano, mora há 23 anos na Amazônia e dedica sua vida profissional à questão da educação brasileira.

Fonte..:: Artefato Cultural

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